Publicidade

Setor público x Setor privado

Edição 62 DISPUTA DESLEAL A crise política e ética que assola o Brasil nos últimos anos suscitou uma devassa financeira que provocou a quebra de muitas empresas e a consequente demissão em massa. Os maiores prejudicados, nesse caso, foram as pequenas e médias empresas que, por não contarem com uma estrutura financeira robusta e não […]

1 de julho de 2021 10:55

Edição 62

DISPUTA DESLEAL

A crise política e ética que assola o Brasil nos últimos anos suscitou uma devassa financeira que provocou a quebra de muitas empresas e a consequente demissão em massa. Os maiores prejudicados, nesse caso, foram as pequenas e médias empresas que, por não contarem com uma estrutura financeira robusta e não terem acesso a largas e voluptuosas linhas de créditos, como as “gigantes”, acabaram demitindo, contraindo dívidas e muitas fechando as portas.

Dezenas de pequenas e médias empresas trabalhavam com sistemas de trânsito com base em uma certificação do Denatran, possuíam contratos com o Governo, e passaram por dificuldades de recebimento nos últimos anos por conta do cenário financeiro do país. As que sobreviveram a todas essas intempéries, agora conseguiram mais um algoz, o Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), que é a maior empresa pública de prestação de serviços em tecnologia da informação no Brasil.

A Estatal se orgulha de ser a maior empresa pública de tecnologia da informação do mundo, conta com mais de 10.000 funcionários e faturamento superior a 2 (dois) bilhões de reais. Para sustentar este discurso, o Serpro vem deixando de fora milhares de empresas nacionais, atrapalhando significativamente a concorrência de mercado há vários anos. Vale lembrar que este monstro foi criado com os impostos das empresas, inclusive das pequenas e micros, e agora vem exatamente tirar o “ganha pão” das mesmas.

O mercado vislumbrado pelo Serpro não foi o da livre concorrência, onde teria competidores de seu porte e em mesmas condições, foi bem mais vil e ardiloso. Apesar de toda esta estrutura e poder para brigar com as gigantes, o SERPRO foi se utilizar de uma brecha na lei que permite que ele venda para órgãos do Governo Federal sem licitação. Apoiado nos impostos dos pequenos e médios empresários, montou um exército de funcionários públicos de vendas. Acreditem, o Serpro tem vendedores para concorrer com as empresas que geram empregos e renda no Brasil, mostrando a força que o nosso governo federal tem feito para apoiar as pequenas e médias empresas. Quando se trata de concorrer e disputar com outras gigantes, nacionais ou multinacionais, a história muda de figura. Nesta hora a gigante Estatal se coloca como a grande compradora das multinacionais, nunca disputa, apenas compra, quer dizer, apenas emite ordens de compra e usa os produtos e serviços, pois até neste quesito peca, já que tem fama de ser péssima pagadora. A última de suas proezas: apontou seu canhão para o mercado de empresas de sistemas de trânsito, principalmente de processamento de multas, mercado este que, por conta de uma portaria do Ministério das Cidades e por conta de uma série de exigências, tirava o interesse das empresas estrangeiras, sendo terreno fértil e fecundo para as empresas de pequeno e médio porte brasileiras.

 

 

 

Podendo utilizar-se da máquina pública, o SERPRO mirou nesse mercado, ainda que em total dissonância com a Lei Federal nº 12.249/2010 que alterou o art. 2º da Lei n. 5.615/1970 para permitir que o SERPRO opere no âmbito da União, especialmente, no Ministério da Fazenda e no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão sem a necessidade de participar de licitação nos casos de serviços estratégicos. Ressalte-se que, em conformidade com o disposto nos §§ 3º e 4º desse mesmo artigo, há a referência explícita de que “Os atos de contratação dos demais serviços de tecnologia da informação, não especificados como serviços estratégicos, seguirão as normas gerais de licitações e contratos. O disposto neste artigo não constitui óbice a que todos os órgãos e entidades da administração pública venham a contratar serviços com o SERPRO, mediante prévia licitação ou contratação direta que observe as normas gerais de licitações e contratos”.

Assim, a participação do SERPRO em licitações cujos serviços não sejam definidos como estratégicos pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (atualmente Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão) deve seguir as regras ordinárias de contratação. Nesse contexto, cabe uma pergunta: Quais seriam esses “serviços estratégicos” a que se refere a Lei? De acordo com a Portaria nº 356, de 24 de junho de 2010, do Ministério da Fazenda, em seu artigo 2º: “Serão considerados estratégicos para o Ministério da Fazenda os serviços de tecnologia da informação e comunicação que atendam conjuntamente os seguintes requisitos: I – visem cumprir as atribuições do Ministério da Fazenda ou de seus órgãos; II – possam impactar severamente as atividades do Ministério ou do Governo, na hipótese de haver descontinuidade na prestação do serviço; e III – coletem e tratem informações críticas ou informações classificadas como sigilosas pela legislação em vigor ou pelo Comitê de Segurança de Informação do Ministério da Fazenda”.

 

Percebe-se que o texto é bastante abrangente e passível de interpretações diversas, mesmo assim o SERPRO, tendo por objetivo um mercado que não compete com as empresas internacionais e no qual apenas pequenas e médias empresas seriam atingidas, isto é, poucos “gritariam”, resolveu entrar nesse mercado. Para isso, a forma escolhida não poderia ser a mais atabalhoada, um contrato com o DER/DF, órgão que não renovou seus contratos anteriores com as empresas privadas e resolveu assinar novo contrato com o SERPRO, por meio de dispensa de licitação, visto que tais serviços poderiam ser considerados “estratégicos”. Fica nítido que o Ministério da Fazenda usou sua Estatal de TI para tirar contratos do setor privado de TI. No entanto, as empresas de serviços de informática se uniram para reaverem seus direitos que foram usurpados.

A situação é tão desrespeitosa que o Serpro, à época da contratação, sequer tinha seu software homologado pela empresa certificadora credenciada pelo DENATRAN. O Contrato foi assinado em 28/12/2016, mas a homologação só ocorreu em 27/06/2017, isto é, 06 (seis) meses após a contratação ter sido efetivada. Ou seja, se o Serpro competisse em igualdade de condições na licitação sequer estaria habilitado para prosseguir em um certame!

 

 

 

E é por isso que essa contratação está sob a mira do TCDF, uma vez que a maior estatal pública do Brasil usou o modelo licitatório de dispensa de licitação para fechar contratos, alegando que possuía uma homologação exigida por lei, o que dava validade legal ao seu sistema. Ocorre que essa homologação exigia também que o SERPRO tivesse a certificação ISO 9001, como todas as pequenas e médias empresas do país que têm esse certificado e comercializam o sistema desde 2010, quando foi instituída essa exigência, mas a gigante brasileira não tem essa capacidade. Como uma empresa que fatura bilhões sem licitação, com mais de 10.000 funcionários não conseguia tirar a certificação? Nesse caso, coube o famoso “jeitinho brasileiro”. E foi assim que aconteceu. Como o órgão que controla a emissão das portarias que definem os requisitos indispensáveis para a contratação desse tipo de serviço, o DENATRAN, utiliza-se dos serviços do SERPRO, “alterou-se” a legislação, diante da possibilidade “indiscutível” de discricionariedade da Administração Pública. Na prática, tiraram a exigência da ISO 9001 e colocaram certificações que, por coincidência, o SERPRO já possuía. Em nenhum momento, levou-se em consideração todo o investimento feito pelas empresas pequenas e médias para adequar-se a ISO 9001, o Estado não se preocupou com isso, tampouco com as dezenas de empresas brasileiras que terão de lutar para ficarem abertas e manterem seus empregados, mas agora com um agravante: lutarem contra uma empresa pública com “prerrogativas especiais”. Diante de toda essa situação, o que alegará o DER/DF, o DENATRAN e o SERPRO? Com essa perspectiva, a Lemes e Melo Advogados Associados, escritório que representa o Sindicato e as Associações das empresas de serviços em informática, espera, por meio de uma representação junto ao Ministério Público e de uma ação junto à Justiça Federal, justificativas e uma pacífica solução para essa sequência de arbitrariedades.

Para o Presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação do Distrito Federal – ASSESPRO/DF, Sr. Christian Tadeu, “Era de se esperar em um momento onde a crise afeta milhares de empresas genuinamente brasileiras, principalmente as Micro e Pequenas Empresas que houvesse fomento para a superação deste momento. O que se vê, lamentavelmente, é totalmente o contrário! Empresas públicas que são modelos antieconômicos e contra produtivos para a sociedade brasileira concorrendo com quem gera renda e impostos ao País.

 

 

 

Já para o Presidente da Associação de Startups e Empreendedores Digitais do Brasil – ASTEPS, Sr. Hugo Giallanza, “O papel do governo é servir ao público e fomentar o mercado na busca de melhores oportunidades de emprego e renda que possam gerar impactos sociais para nossa sociedade, infelizmente, algumas instituições públicas agem como se fossem empresas privadas, eliminando a concorrência e as oportunidades que um mercado privado constituído poderia suportar tranquilamente. Nos últimos anos, com essa crise econômica que assola nosso país, ficamos admirados com falta de compromisso do estado em priorizar ME, EPP e Startups em todos estes processos licitatórios”.

 

No entendimento do Presidente do Sindicato das  Empresas de Serviços de Informática do Distrito Federal – SINDESEI-DF, Sr. Charles Dickens, “o art. 5º, caput, de nossa carta magna, consagra que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Devemos sempre buscar essa igualdade, que é a formal, mas incansavelmente temos também que encontrar a igualdade material, ou seja, devemos tratar igualmente os iguais e os desiguais na medida de suas desigualdades. A lei complementar nº 123/ 2006, que Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, é um exemplo desse tratamento diferenciado as micro e pequenas empresas”.

A grande maioria absoluta das empresas que prestam serviços para o governo, seja ele Federal, Distrital, Estadual ou Municipal, são as micros e pequenas empresas, que geram empregos, pagam impostos e mudam a dinâmica econômica e social do local onde estão estabelecidas.

O intrigante é como superar o desafio diário dessas empresas, com as diversas inseguranças já enfrentadas no dia a dia, como por exemplo: a insegurança financeira de receber tempestivamente pelos serviços; a insegurança jurídica como as mudanças de regras rotineiramente. Como uma empresa de pequeno porte pode concorrer com empresas públicas de faturamento bilionário, que geralmente são pouco eficientes, e anda inovadoras, e que passam a ter uma vantagem competitiva enorme ao contratar diretamente com o governo sem licitação? Onde está a concorrência? A isonomia? Como farão essas empresas sem seus contratos? Como ficarão seus funcionários? O governo tem a obrigação legal de vetar e corrigir essas distorções para que essas micros e pequenas empresas um dia se

 

tornem grandes, cumprindo com maestria seu papel social de gerar renda e emprego.

 

O Presidente da Câmara Temática de TI e Comércio do Distrito Federal, Marco Tulio Chaparro, entende que esta política vai de encontro com todo discurso de fomentar o setor produtivo do Governo Federal e Distrital, uma vez que ações como estas massacram ainda a base de sustentação de toda nossa cadeia produtiva e a maior fomentadora de empregos do país, que são as pequenas e médias empresas. O momento do governo é de fomentar a economia, inclusive com política publicas desenhadas com o auxílio da sociedade civil   especializada com o objetivo de minimizar o decréscimo da economia e dos postos de trabalho.  Enquanto outros países fomentam as empresas, a geração de empregos e livre iniciativa, vemos ações como estas que sepultam a nossa economia, finaliza Chaparro.

Na tentativa de evitar que esse cenário se perpetue, a Assespro/DF, com auxílio do escritório Marques & Bittar Advogados (especialista em regulação econômica), ajuizou uma demanda na Justiça Federal questionando como é possível o país criar novas tecnologias e se sustentar no mercado tecnológico a longo prazo sem inovação, já que a atuação do SERPRO ataca a livre iniciativa, a livre concorrência e desestimula a criação de novas tecnologias por parte das micro e pequena empresas – situação completamente oposta ao que acontece em outros países, como os EUA, em que startups são incentivadas a elaborar aplicações e desenvolver novos produtos e tecnologias para o governo.

 

Publicidade

Desenvolvido por: Leonardo Nascimento & Giuliano Saito